Marisa Pinho*
Creio que um dos erros que se comete ao tentar preservar algo é dar-lhe a mesma função ou, sem um critério específico, fazer o local de museu.
Somos um país carente de centro culturais, concordo, mas não atribuo a preservação de um lugar apenas a algo que só o remeta ao passado. Devemos pensar em um novo uso, algo que a área possua necessidade e que haja para a população uma identificação, um reconhecimento de sua importância atribuído ao lugar.
Identidade, eis a palavra chave. Aquilo que nos traz um significado, um gostar e uma identificação, igualando-nos e tornando um lugar querido, garantindo a sua salvaguarda.
Em Santos, litoral de São Paulo, a Praça Palmares próxima ao canal 4 é um bom exemplo.
Os jovens skatistas se identificam e preservam o local, assim como o Emissário Submarino e o monumento do Dragão Vermelho de Tomie Ohtake.
Usado para homenagear os 100 anos da Imigração Japonesa. o monumento possui um valor simbólico e de identidade para os que frequentam o local. A própria artista, certa vez disse que nenhuma das suas obras possuía nome, pois preferia que cada pessoa buscasse sua interpretação. Talvez, a interpretação individual traga o sentido que motiva o lugar ser visto como um cartão-postal para os santistas e seus visitantes. As pessoas se identificam e acabam preservando.
É através da identidade e do seu significado para a sociedade, que irão se caracterizar os procedimentos de reconstrução do passado, onde a manutenção da integridade territorial constituirão as identidades culturais. Portanto, é através do sentido identitário que se busca a preservação da memória coletiva, a lógica de sua conservação e, conjuntamente, com a função social e política, o enaltecimento da preservação do bem que não deve desaparecer.
No entanto, a reivindicação da preservação acaba repetindo modelos de que servirão de moldes para outros lugares. Acaba-se, portanto, perdendo o sentindo nas ações de preservação do patrimônio, pois cada lugar possui seu contexto histórico e o sentido próprio do que se deve ou não preservar.
Nesse caso, há a falta de uma discussão aberta com os vários segmentos da sociedade envolvidos e, principalmente, do verdadeiro respeito ao patrimônio, que passa a ser apenas um receptáculo de simbolismos da memória, acarretando o exagero de fazermos de uma cidade 'um museu a céu aberto', onde a vida decorrente inexiste e todo o acompanhamento e desenvolvimento gradual não acontecem dentro do verdadeiro contexto de sua preservação.
Vivemos numa época em que
somos cobrados pelo “dever da memória” e nossas lembranças nos tornam culpados
pelo risco do esquecimento. Muitas vezes, tais cobranças nos levam a
teatralização sobre o pretexto de conservação patrimonial.
Quando falamos sobre o assunto de preservar o patrimônio edificado, fugimos ao equilíbrio e bom
senso e nos enveredamos por um caminho inócuo cometido pelos excessos.
Enfrentamos uma batalha que nos leva a questionar: preservar o quê, para quê e
para quem? Sem perder o rumo, sem cair em ciladas de idiossincrasias do poder e
da aparência estereotipada de um modo de vida que já se foi.
Observamos a dicotomia entre os interesses sociais e políticos que se encontram espelhados numa cidade, onde o desenvolvimento urge, a qualidade de vida e as pessoas, devem ser os parâmetros para que essa batalha patrimonial e a visão de progresso, tenham um fim ou uma continuidade positiva.
Os moderno pode conviver com o antigo, refletindo-o e valorizando-o. |
Observamos a dicotomia entre os interesses sociais e políticos que se encontram espelhados numa cidade, onde o desenvolvimento urge, a qualidade de vida e as pessoas, devem ser os parâmetros para que essa batalha patrimonial e a visão de progresso, tenham um fim ou uma continuidade positiva.
As edificações não podem ser
vistas meramente como baluartes da nostalgia de um passado que nos leva ao
ostracismo.
Para que o passado não perca seu valor, é preciso dar-lhe um uso atrelado às necessidades do novo, pensando que a junção do passado, presente e futuro, não passem apenas por um simulacro dessa atualização.
A manutenção da ordem
simbólica das sociedades modernas tem como o uso da conservação patrimonial
atrelado ao objetivo político e social, onde se objetiva mostrar a cultura e sua História
contra os riscos de sua desestruturação.
Os locais, os relatos dos fundadores, os monumentos que estruturam a imagem do patrimônio, podem perder suas características por serem tratados como produtos, na tentativa da comercialização de uma imagem que se quer refletir, dentro de uma gestão fundamentada apenas em simbolismos.
Esses simbolismos, acreditam-se, que asseguram a sua perenidade. Mas, será que a preservação se resume apenas a isso? Trava-se uma luta entre o conservadorismo e os que levantam a bandeira da Inovação atrelada ao progresso, ao espaço para o novo.
Quero aqui lançar algo para sua reflexão...
O que é revitalizar?
Segundo o dicionário significa: "nascer de novo, reviver, tentar novamente de outra forma".
Como você vê e observa essa palavra no conceito de preservação do patrimônio histórico de sua cidade?
As novas gerações precisam de um significado para atrelar o passado e o futuro em suas cidades. |
Para que o passado não perca seu valor, é preciso dar-lhe um uso atrelado às necessidades do novo, pensando que a junção do passado, presente e futuro, não passem apenas por um simulacro dessa atualização.
Os locais, os relatos dos fundadores, os monumentos que estruturam a imagem do patrimônio, podem perder suas características por serem tratados como produtos, na tentativa da comercialização de uma imagem que se quer refletir, dentro de uma gestão fundamentada apenas em simbolismos.
Esses simbolismos, acreditam-se, que asseguram a sua perenidade. Mas, será que a preservação se resume apenas a isso? Trava-se uma luta entre o conservadorismo e os que levantam a bandeira da Inovação atrelada ao progresso, ao espaço para o novo.
Quero aqui lançar algo para sua reflexão...
O que é revitalizar?
Segundo o dicionário significa: "nascer de novo, reviver, tentar novamente de outra forma".
Como você vê e observa essa palavra no conceito de preservação do patrimônio histórico de sua cidade?
A memória e sua preservação devem fazer parte do valor identitário para as pessoas. |
Somos um país carente de centro culturais, concordo, mas não atribuo a preservação de um lugar apenas a algo que só o remeta ao passado. Devemos pensar em um novo uso, algo que a área possua necessidade e que haja para a população uma identificação, um reconhecimento de sua importância atribuído ao lugar.
Identidade, eis a palavra chave. Aquilo que nos traz um significado, um gostar e uma identificação, igualando-nos e tornando um lugar querido, garantindo a sua salvaguarda.
Em Santos, litoral de São Paulo, a Praça Palmares próxima ao canal 4 é um bom exemplo.
Praça Palmares - Santos - SP |
Os jovens skatistas se identificam e preservam o local, assim como o Emissário Submarino e o monumento do Dragão Vermelho de Tomie Ohtake.
Usado para homenagear os 100 anos da Imigração Japonesa. o monumento possui um valor simbólico e de identidade para os que frequentam o local. A própria artista, certa vez disse que nenhuma das suas obras possuía nome, pois preferia que cada pessoa buscasse sua interpretação. Talvez, a interpretação individual traga o sentido que motiva o lugar ser visto como um cartão-postal para os santistas e seus visitantes. As pessoas se identificam e acabam preservando.
O Dragão Vermelho não é um monumento histórico, mas é um símbolo de 'identidade' escolhido pela população santista. |
É através da identidade e do seu significado para a sociedade, que irão se caracterizar os procedimentos de reconstrução do passado, onde a manutenção da integridade territorial constituirão as identidades culturais. Portanto, é através do sentido identitário que se busca a preservação da memória coletiva, a lógica de sua conservação e, conjuntamente, com a função social e política, o enaltecimento da preservação do bem que não deve desaparecer.
No entanto, a reivindicação da preservação acaba repetindo modelos de que servirão de moldes para outros lugares. Acaba-se, portanto, perdendo o sentindo nas ações de preservação do patrimônio, pois cada lugar possui seu contexto histórico e o sentido próprio do que se deve ou não preservar.
As ações que seguem moldes pré-estabelecidos acabam produzindo um efeito de “patrimonialização” onde se passa a ter uma
fabricação de lugares da memória atribuídos aos excessos de forjar uma identidade
cultural e histórica sem fundamentos e que acabam se tornando uma petrificação patrimonial,
tornando os centros históricos um requisito padronizado para atrair o turismo e
sem pensar nas necessidades que evoluem com o crescimento e do desenvolvimento
da urbe.
A falta de um uso a vários imóveis no Centro Histórico de Santos, não garantem sua preservação e tornam a área insegura e erma a noite e fins de semana. |
Nesse caso, há a falta de uma discussão aberta com os vários segmentos da sociedade envolvidos e, principalmente, do verdadeiro respeito ao patrimônio, que passa a ser apenas um receptáculo de simbolismos da memória, acarretando o exagero de fazermos de uma cidade 'um museu a céu aberto', onde a vida decorrente inexiste e todo o acompanhamento e desenvolvimento gradual não acontecem dentro do verdadeiro contexto de sua preservação.
Devemos pensar na boa
relação entre as tradições e a modernidade, evitando um desenrolar anacrônico
dos seus próprios efeitos, no desenvolvimento da vida cultural, seus fatores
sociais e históricos, havendo uma maior fluidez no processo como em um mesmo
novelo que se desenrola e dá continuidade a vida, suas necessidades e gerando assim, uma melhor qualidade de vida.
Um exemplo, são os antigos armazéns da Rua Amador Bueno em Santos. Outrora, além de armazéns de secos e molhados, abrigaram o Cinema Popular e hoje, o Poupatempo, atendendo e agilizando os serviços públicos para a população.
Não se deve deixar que um
lugar siga a corrente da patrimonialização imposta, pois se dariam pressupostos
de um falso exercício da preservação patrimonial das identidades culturais,
onde se copia a restauração identitária do lugar, como uma encenação folclórica
tão comum em alguns países europeus e já observados em muitas cidades
brasileiras, onde os centros históricos passam a se parecer e a enfrentar os
mesmos problemas de isolamento e esvaziamento humano.
Um exemplo, são os antigos armazéns da Rua Amador Bueno em Santos. Outrora, além de armazéns de secos e molhados, abrigaram o Cinema Popular e hoje, o Poupatempo, atendendo e agilizando os serviços públicos para a população.
Armazéns da Rua Amador Bueno - Sede do Poupatempo de Santos. - SP |
Tais lugares não oferecem a
estrutura viva da cidade, mas um cenário da memória, onde seus laços de
continuidade com a realidade atual não possuem vínculo, pelo falso uso dado ao
patrimônio.
Essa visão dá uma ilusão ao lugar, onde
se acredita que só há vida para os que perseguem os modelos compactos de uma
narrativa museográfica, que atrai o turismo de um público interessado por um
“espetáculo homogêneo”, onde sua diversidade cultural é inserida em aspectos
históricos sociais. Tais interesses, não representam sua população, mas servem como atrativo fictício para visitantes e turistas. Portanto, a preservação desses lugares não estão garantidas.
A preocupação com a
preservação traz à mente das pessoas a necessidade de se deixar algo para ser
lembrado para a posteridade. Procurando nessas escolhas o que nos refletem a
imagem que os outros terão a respeito do lugar e da história de seus habitantes.
As figuras representadas através dos monumentos e das edificações que simbolizam o contexto histórico e a memória coletiva do lugar, devem assegurar a sua origem, sua transmissão para as próximas gerações, assim como, sua essência e singularidade, promovendo de forma atemporal toda a contemporaneidade e perpetuando sua evolução.
As figuras representadas através dos monumentos e das edificações que simbolizam o contexto histórico e a memória coletiva do lugar, devem assegurar a sua origem, sua transmissão para as próximas gerações, assim como, sua essência e singularidade, promovendo de forma atemporal toda a contemporaneidade e perpetuando sua evolução.
O conceito de atualizar não
deve ser mais visto como a morte ao passado, mas a sua renovação ao ganhar um
caráter advindo dos novos
usos para áreas e edificações do patrimônio.
Outro ponto primordial é que não se pode atribuir à salvaguarda do patrimônio à exclusão social. Os processos de gentrificação* acabam gerando problemas de identidade com a população, ao criar um centro histórico cenográfico, imitando outros centros, em busca de atrativos turísticos, mas no entanto, retirando a vida que iria ajudar a manter e se conservar ao lhe dar novos usos, esses, nem sempre dentro dos interesses financeiros e fora das metas de investimentos dos órgãos de preservação.
Outro ponto primordial é que não se pode atribuir à salvaguarda do patrimônio à exclusão social. Os processos de gentrificação* acabam gerando problemas de identidade com a população, ao criar um centro histórico cenográfico, imitando outros centros, em busca de atrativos turísticos, mas no entanto, retirando a vida que iria ajudar a manter e se conservar ao lhe dar novos usos, esses, nem sempre dentro dos interesses financeiros e fora das metas de investimentos dos órgãos de preservação.
Tais exemplificações podem
ser vistas nas atuais manifestações que ocorrem por todo país, onde os símbolos
mais importantes são depredados, pois para o povo, estão ligados ao poder.
Todas as questões levantadas
sobre a ordem patrimonial dada através de simbolismos e lugares da memória a
serem preservados, devem se preocupar com a lógica de continuidade histórica,
mas que tenha comunicação para as expansões necessárias do futuro, voltando às
questões de "o quê se preservar, para quê e para quem".
Nos textos de Espelho das Cidades de Henri-Pierre Jeudi
(2005) não se apregoa a destruição do patrimônio, mas se questiona a fabricação
de centros históricos para interesses financeiros e de poder, sem quaisquer
ligações com a vida humana e sua evolução harmônica com seu meio.
O Antigo e o Novo podem fazer juntos, parte da paisagem urbana
O Antigo e o Novo podem fazer juntos, parte da paisagem urbana
O que se pode concluir é que
o patrimônio, sua conservação e preservação, devem dar fluidez à cidade. Em seu contexto, devem se preocuparem menos com a estética e mais com a ética.
Portanto, o reconhecimento e a classificação das arquiteturas efêmeras, as suas formas de urbanização dadas pelas diversas classes, sejam da pobreza à riqueza, possuam uma moral humanitarista e que narre a evolução verdadeira do tempo, sem a maquiagem oferecida à uma imagem de interesses políticos.
Portanto, o reconhecimento e a classificação das arquiteturas efêmeras, as suas formas de urbanização dadas pelas diversas classes, sejam da pobreza à riqueza, possuam uma moral humanitarista e que narre a evolução verdadeira do tempo, sem a maquiagem oferecida à uma imagem de interesses políticos.
A forma politicamente
correta dessa gestão urbana é a qualidade de vida como fundamento estético da
cidade.
A concepção de que o
patrimônio e sua preservação podem ajudar dentro de todos os aspectos
inseridos, na continuidade atemporal, sem obstruções, mas com a fluidez que não
esvazia seu passado do convívio com seus habitantes e seus novos modos de vida, impostos pelos tempos atuais.
Não se deve enxergar o patrimônio
das cidades como intocáveis, mas integrados à modernidade e ao modo de vida, só
assim, ele terá seu valor para todos e não apenas para uma minoria que não lhe
dá o respeito, mas sim, dele cria e obtém proveitos próprios.
A ideia da qual se quer refletir
é que o patrimônio de uma cidade espelhe sempre a vida de seus habitantes e tenha para eles sua importância, para que haja, verdadeiramente, sua preservação por todos.
Gentrificação: é o fenômeno que afeta a uma região ou bairro pelas alterações das dinâmicas do local, como a construção de grandes edifícios e novos pontos comerciais que acarretam numa valorização da região, abalando a população de baixa renda, dificultando sua permanência.
Fonte: Jeudy, Henri-Pierri, Espelho das Cidades; ed.1, Ed. Casa das Palavras, RJ, 2005.
* arquiteta urbanista e educadora patrimonial (FAMS)
Gentrificação: é o fenômeno que afeta a uma região ou bairro pelas alterações das dinâmicas do local, como a construção de grandes edifícios e novos pontos comerciais que acarretam numa valorização da região, abalando a população de baixa renda, dificultando sua permanência.
Fonte: Jeudy, Henri-Pierri, Espelho das Cidades; ed.1, Ed. Casa das Palavras, RJ, 2005.
* arquiteta urbanista e educadora patrimonial (FAMS)
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